sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Tralha (Marco Vilane)



A gente guarda tanto lixo em casa
A gente guarda e amontoa a raiva
A gente guarda o amor e ele se estraga
A gente guarda palavras caladas
A gente guarda

A gente guarda o choro na garganta
A gente guarda tudo em segredos
A gente guarda sonhos no papel
A gente guarda saudades e medos
A gente guarda

E já, não há espaço pra tanta tralha
E já, não há espaço pra tanta tralha

A gente guarda sempre o carinho nas mãos
A gente guarda fôlego no peito
A gente guarda sorriso entre os dentes
A gente guarda e perde muito tempo
A gente guarda

E já, não há espaço pra tanta tralha
E já, não há espaço pra tanta tralha

Palavras
caladas
A gente guarda

A gente guarda sempre o carinho nas mãos
A gente guarda fôlego no peito
A gente guarda sorriso entre os dentes
A gente guarda e perde muito tempo
A gente guarda

E já, não há espaço pra tanta tralha
E já, não há espaço pra tanta tralha

O Céu é Muito



O céu é muito
Para o sol

Alcança só
O que gravita

O tempo é longo
Pra quem fica

A terra gira
Pra nós dois

Um ano é pouco
Pra depois

O mundo é largo
Pra quem fita

A lua é manto
Para o mar

Querer é tanto
Para a vida

A lua é longe
O sol é mais

Por que você
Não acredita?
(Lenine)

Lya Luft

Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério.

A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Pedaços de mim

Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos

Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão

Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci

Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante


Tive noites mal dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não-prometidas

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir,para não enfrentar
sorri para não chorar

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo

Mas continuo vivendo e aprendendo.

(Martha Medeiros)

Eu podia Escolher...

Não tinha ideia.
Escolhi a paz.


A verdade e a beleza
deixei-as ir,
e também a sageza e a nostalgia -
até o amor,
que tão embevecido me olhava,
negras nuvens com ele se deslocavam.


Paz, era paz.
E nos recônditos da minha alma
dançavam seres
de que nunca tinha sequer ouvido!


E no céu pendia um outro sol.

(Toon Tellegen)

Tradução de : Fernando Venâncio
do livro " Rosa do Mundo "

Meu Amor

 
 
De ti somente um nome sei, amor.
É pouco, é muito pouco e é bastante
Para que esta paixão doida e constante
Dia após dia cresça com vigor!

Como de um sonho vago e sem fervor
Nasce uma paixão assim tão inquietante!
Meu doido coração triste e amante
Como tu buscas o ideal na dor!

Isto era só quimera, fantasia,
Mágoa de sonho que se esvai num dia,
Perfume leve dum rosal do céu...

Paixão ardente, louca isto é agora,
Vulcão que vai crescendo hora por hora...
O meu amor, que imenso amor o meu! 

(Florbela Espanca)

Canção Matinal

a Ricardo Vieira Lima

Acorda bem cedo o homem
da casa de telha-vã
e abre janela e porta
como se abrisse a manhã.

E eis que a vida não é mais
nem triste,nem só,nem vã.
É doce:cheira a goiaba
e brilha como romã.

orvalhada.E ele caminha,
o homem,com passos de lã
para em nada perturbar
a quietude da manhã.

Já não há mágoas de perdas
nem angústias de amanhã,
pois a alma que há na calma
entre a goiaba e a romã

é a própria alma do homem
da casa de telha vã,
que declara a noite morta
e acende em si a manhã.

(Ruy Espinheira Filho)

Ruy Espinheira Filho é jornalista e poeta baiano, mestre em Ciências Sociais, professor adjunto de Letras Vernáculas na UFBA. Publicou: Heléboro, Julgado do Vento, As sombras luminosas, Morte secreta e poesia anterior, Antologia breve, Antologia poética, Memória da chuva, Sob o último sol de fevereiro, O vento no tamarineiro, O Rei Artur vai à guerra, Ângelo Sobral desce aos infernos, O fantasma da delegacia, Os quatro mosqueteiros eram três, Últimos temos heróicos em Manacá da Serra, O Nordeste e o negro na poesia de Jorge de Lima e Poesia Reunida.